terça-feira, 1 de maio de 2018

CRÔNICA DA DESGRAÇA ANUNCIADA




Ao deitar-me ontem, 30 de abril, véspera de feriado, usei a expressão de um apresentador da Globo: "Amanhã eu vou dormir até acordar...!"
Entretanto, às 04h30 da madrugada, toca o celular. Antes que o tivesse em mãos, pensei nos filhos, nas netinhas, nos parentes, pois só algo que acontecesse com eles justificaria uma ligação àquela hora! Não. Não era nada com nenhum deles! Ufa! Era, sim, um amigo, dizendo estar vendo na TV um terrível incêndio que acontecia no Largo do Paissandu, em que - há 37 anos - estou instalado e onde funciona o Instituto JBOliveira de Educação e Capacitação Profissional...
Liguei  a TV e fiquei por algum tempo vendo cenas terríveis das chamas consumindo o velho prédio da esquina da Rio Branco com Antônio de Godói, e que, a essa altura, já havia até desabado!
Num relance, minha mente reviu as imagens do incêndio dos Edifícios Andraus, em 24 de fevereiro de 1972 (16 mortos e 330 feridos) e Joelma, em 1º de fevereiro de 1974 (189 mortos e 300 feridos) que tive o dissabor de presenciar.
A partir das primeiras horas da manhã, vários amigos - que conheciam a localização de meu instituto - enviaram mensagens de preocupação e de solidariedade. Tranquilizei-os: meu prédio fica no extremo oposto do Largo do Paissandu. Disse-lhes mais: o que estava agora acontecendo, infelizmente, nada mais era do que uma "desgraça anunciada"! Iria acontecer a qualquer instante...

Projetado em 1961 pelo arquiteto Roger Zmekhol, o então imponente edifício Wilton Paes de Almeida, de 24 andares era considerado avançado: um dos primeiros a usar estrutura metálica, lajes de concreto e fachada de vidro! Construído para ser sede da Companhia Comercial Vidros Brasil, foi inaugurado em 1966. A partir de final dos anos 1970, e por cerca de 25 anos, a Policia Federal ocupou-o, até se mudar para a Lapa, em 2003. Por curto espaço de tempo, instalou-se ali uma agência do INSS. Com sua saída, o prédio ficou abandonado, vindo a ser invadido pelo movimento LMD - Luta por Moradia Digna...
Só que não era nada digna a situação dos que ali tinham - em vez de moradia - nada mais que refúgio!
Mais de 90 famílias ocupavam os andares até o décimo pavimento. Não tinham elevador, cujo fosso usavam para jogar lixo. A que ateavam fogo! À semelhança de "favela horizontal", cada andar era subdivido em 10 barracos, sendo a separação feita por papelão, plástico ou madeira. Para cozinhar, utilizavam botijões de gás ou fogõezinhos a álcool. A corrente elétrica para luz e TV, evidentemente clandestina, eram rabichos ou "gatos", sujeitos a curto-circuitos e outros problemas.
Dentro desse cenário de previsível tragédia, é que hoje, por volta da 01h30, ocorreu uma explosão no quinto andar, dando origem a um incêndio que se alastrou de forma tão rápida e violenta, que em pouco tempo envolveu não só todo o edifício, como provocou seu completo desabamento! Muito embora o número de vítimas pessoais seja bem menor do que o dos outros incêndios citados, não deixam de ser vidas humanas, cruelmente ceifadas - em última instância - pela fragilidade ou ausência de políticas públicas voltadas para NOSSOS IRMÃOS, que constituem esse sofrido segmento social!

E agora? É doloroso assistir ao depoimento daqueles que perderam tudo, do nada que tinham, a não ser filhos, crianças que sequer conseguem atinar com a razão de tanta desgraça, sofrimento e humilhação!

QUOUSQUE TANDEM?





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